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PRIMEIRA PARTE

DEUS QUER DAR-SE FACE A FACE

 

 

 Esta primeira parte não é senão um resumo do que habitualmente é ensinado a todos os cristãos. Não traz nada de essencialmente novo àquele que está ciente da Trindade e do seu projecto, das origens do mundo, da conduta de Deus para com os homens para os salvar por meio do sofrimento, desde Adão até hoje, passando pela incarnação de Cristo. Não obstante, é indispensável lê-la, uma vez que é o fundamento que explica os acontecimentos da hora da morte.

A HISTÓRIA DE DEUS: “O ALFA”

A Trindade, Pai-Filho e Espírito Santo

A criação dos anjos e dos homens

A humildade e o amor

A HISTÓRIAIRE DE DEUS, “O ALFA”

O que se passa na hora da morte? Os acontecimentos, na verdade, são simples de compreender se conhecermos as bases, isto é, o Evangelho. Em caso algum podem ser compreendidos sem conhecer o seu fundamento evangélico porque tudo, em teologia católica, é consequência de uma fé relativa a Deus e ao sentido da vida. O Evangelho pode ser resumido assim.

A Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo

(A verdade mais certa da fé!)
 

Antes do mundo existir, desde toda a eternidade, existe um Ser único, «alguém» que é infinito. Vive totalmente feliz, cumulado pela sua própria natureza. É misterioso, uma vez que, embora sendo um só ser, três pessoas (entender sob a palavra “pessoas”, três fontes de luz e de amor) amam-se e contemplam-se nele, o Pai, o Filho e o Espírito Santo[1] . Trata-se de uma vida íntima inimaginável, feita de ternura e de luz inacessíveis.

Aqui, o leitor deve estar particularmente atento. Trata-se do Alfa (o fundamento) do cristianismo. Ele explica também tudo quanto diremos a seguir.

Deus é Todo-Poderoso. Ele é a Luz infinita. Mas o seu coração pode resumir-se em duas qualidades: a humildade[2] e o amor . Incessantemente, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, se dão ao outro. Cada uma das pessoas da Trindade põe a outra à frente, apaga-se diante da contemplação e do amor da sua grandeza. Esta vida trinitária, este dom mútuo total, irradia ao ponto de constituir o próprio Ser de Deus. Deus é assim e ninguém o pode mudar. Percebe-se que aquele que deseja ver Deus face a face, tenha de conservar bem à cabeça, o nome destas duas qualidades.

 

A criação dos anjos e dos homens

(Coisa certa)

 

Na sua eternidade, Deus concebeu o seguinte projecto. Porque não partilhar a sua felicidade com outros seres? Porque não criar numerosas pessoas, dotadas de inteligência e liberdade? Seriam introduzidas no íntimo das três pessoas. Bem entendido que não se trataria de as introduzir à força, mas segundo o modo da sua natureza, quer dizer, livremente, num acto de amor recíproco.

Deus agiu. Criou primeiro os anjos, puros espíritos sem corpo[3] . Depois, criou os homens e as mulheres, seres espirituais e físicos. Anjos e homens foram feitos para ver Deus face a face.
 

A humildade e o amor [4]

(Coisa certa)

No entanto, punha-se um problema. Para ir para junto de Deus, para viver da felicidade infinita que consiste em compreendê-lo e amá-lo face a face, era absolutamente necessário tornar-se semelhante a ele, isto é, totalmente humilde e totalmente entregue ao amor. Aqui se encontra a chave de tudo. “Ninguém pode ver Deus sem morrer para si mesmo” [5], ensina o Antigo Testamento. Por causa da pureza e da delicadeza de Deus, não era suficiente qualquer amor, qualquer humildade, mas apenas um amor total, despojado de toda a procura interesseira. O mínimo orgulho, o mínimo egoísmo, e a entrada face de Deus tornava-se impossível, comparável a uma violação, quando deveria ser um casamento. Toda a vida de Jesus é a revelação disto.

Convém fazer aqui uma observação importante. Deus não desejava criar um paraíso onde cada pessoa, perdida na sua contemplação, estaria unicamente voltada para ele. A sua ideia era criar uma Igreja, quer dizer, uma comunidade imensa vivendo nele, numa total comunhão de humildade e de amor. Foi por isso que, quando Jesus veio à terra anunciar a Boa Nova, não deu um só mandamento, mas dois que, segundo ele, não faziam senão um: “Amarás o teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força. Amarás o próximo como a ti mesmo.”

Mas, quem se comporta assim? Quem é que se pode intitular humilde e com um amor ao ponto de ser capaz de dar a vida por alguém, de dar a vida por um inimigo? A imagem do amor necessário, é visível através da vida de Jesus. Aqueles que lhe deram a morte e que troçaram dele, ama-os ao ponto de os acolher na hora da morte e lhes propor, sob condição de arrependimento e conversão total, a vida eterna. Estas pessoas ficaram, sem dúvida, de tal forma surpreendidas por tal prova de amor, que pediram perdão pelo seu pecado.

Concretamente: ninguém pode entrar na vida eterna. As condições exigidas são impossíveis ao homem. É impossível ser humilde e amar a este ponto. Mas, explica Jesus depois de uma pergunta dos discípulos sobre este tema[6] , não é impossível a Deus.

 

Para resumir, pode ser mais simples compreender as coisas desta forma:

 

Porque Deus é infinita delicadeza de humildade e de amor, ninguém o pode ver e ser feliz, da sua felicidade, se não casar com ele. É um casamento de amor onde se exige da noiva (nós próprios), ser como Deus[7] : totalmente humilde e totalmente amor[8] . Sem estas qualidades do coração, ninguém pode desposar Deus, porque ninguém pode compreender o que quer que seja de Deus.


NOTAS

[1] O seu verdadeiro nome teológico é “o Não Nascido, o Verbo e o Amor”.

[2] Certos teólogos negam que Deus possa ser humilde, ele que é Todo-Poderoso. Não estão errados. Deus não é humilde. É humilde “até à loucura”. Com efeito, a humildade é uma certa verdade que faz com que cada um se situe no seu justo lugar. Desta forma, um homem humilde reconhece com verdade as suas qualidades e os seus efeitos, sem se elevar nem se rebaixar excessivamente. Dizer, por exemplo: “Sou menos dotado que tu para a matemática”, quando não é verdade, não é senão aparência de humildade. Neste caso, uma forma de vaidade escondida provoca um complexo de inferioridade.

Segundo esta definição, sendo Deus a infinita perfeição de todas as virtudes, seria humilde se dissesse: “Os homens são nada diante de mim”. A teologia dos muçulmanos é, a este respeito, muito justa e rigorosa. No entanto… recebemos uma outra revelação: Deus considera-se como menos que nós, ao ponto de se abaixar não apenas tornando-se homem, mas a perder a aparência humana… Já não é mais humildade, é loucura! Um texto precioso confirma-o, no Evangelho de João: “Eu sou mestre e Senhor, diz Jesus a Pedro (João 13,15). Se, pois, vos lavei os pés, eu, o Senhor e Mestre, vós também vos deveis lavar os pés uns aos outros. Porque foi um exemplo que vos dei, para que façais, vós também, como eu vos fiz.” Nesse dia, para grande escândalo de Pedro, Jesus revelou aos homens o outro mistério escandaloso do coração de Deus, além do seu amor infinito, a sua humildade: “Ele, de condição divina, não reteve ciosamente o lugar que o igualava a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a condição de escravo, e tornando-se semelhante aos homens. Tendo-se comportado como um homem, humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz!” Filipenses, 2,6.

[2bis] O mesmo se passa com este amor interno à Trindade. A Revelação mostrou-nos que não é “normal”… Amar os amigos é coisa normal. Ora, Deus vai até ao ponto de dar a vida… pelos seus inimigos. Isto rompe com toda a lógica habitual, a de toda a filosofia realista do amor.

[3] Certas tradições acrescentam que Deus criou seres intermediários dotados de espírito e de um psiquismo, mas desprovidos de carne. São os «djinns» do islão.

[4] Outras virtudes são importantes: a confiança, a verdade, etc.. Mas, duma forma ou de outra, estão resumidas nestas duas.

[5] 1 Reis 19, 13.

[6] Mateus 19,25: “Ao ouvir isto, os discípulos ficaram confundidos, e diziam entre si: quem se pode salvar? Fixando neles o olhar, Jesus disse-lhes: Aos homens é impossível, mas a Deus nada é impossível.”

[7] Tanto quanto possível a uma criatura limitada.

[8] Aquilo a que a Escritura chama: “Baptismo na água e no espírito” (João 3,5). Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo, quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus…” De igual forma, a água e o sangue que saíram do lado de Cristo simbolizam estas duas qualidades. Trata-se, pois, de um mistério central da Revelação.

 

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