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CAPÍTULO 7

«A SÉTIMA PORTA»

A VISÃO BEATÍFICA

[1]

 

 para compreender melhor

Ver Deus face a face

A ausência do corpo carnal

 

Precisamos recordar aqui, o momento da nossa vida onde fomos mais felizes. Imaginemos que esse instante pára e, sem nunca se gastar, torna a voltar vivo e a cada instante mais novo; multipliquemos esta felicidade pelo infinito em paz, em alegria, em doçura e em força; emprestemos-lhe um rosto e um sorriso, pensemos que esta beatitude é a pessoa mais simples e mais amável possível imaginar e que o seu coração nos pertença para sempre. No final deste exercício, podemos dizer que não compreendemos nada da Visão de Deus. Este paraíso, ninguém pôde descrevê-lo, nem mesmo Jesus no Evangelho. Quando Maria aparece a crianças, enquanto não pára de ver Deus ao mesmo tempo que lhes fala, nunca lhes diz nada da sua visão beatífica. Não há nada a dizer. É Deus e é tudo. Antigamente, a Igreja, para exprimir esta visão, falava do repouso eterno. Esta expressão assustava as crianças que tinham medo de ir para a cama para a eternidade. Depois, falou-se de Vida eterna para significar que no Céu (o Céu é, primeiramente, a própria visão de Deus) não se pára de correr, de dançar diante do seu rosto[2]. Esta expressão faz referência à actividade extrema de que se reveste a exploração amorosa da Trindade. Mas, mais uma vez, a expressão não convinha a alguns e, sobretudo, aos adultos cansados. Mais vale calarmo-nos e lembrarmo-nos que seremos de tal forma saciados que não teremos mais desejos[3]. É preciso dizer antes que seremos um imenso desejo incessantemente saciado. A Teresinha dizia antes da morte: “Não vai poder surpreender-me, de tal modo o amo.” Agora, diz: “Surpreendeste-me, meu Deus. Não sabia nada de ti.” A Teresinha é a maior santa dos tempos modernos. A sua surpresa foi imensa. Que será para nós?

 

Ver Deus face a face

(Coisa certa)

Na visão beatífica, é a própria Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo que vem, como uma pomba na fenda de um rochedo, aninhar-se na nossa inteligência. Faz-se o nosso próprio pensamento e deixa-se compreender por nós na exacta medida em que o desejamos pelo amor. Aquele que ama, deseja conhecer mais o seu bem-amado. Conhece-o e fica saciado. Aquele que ama menos conhece menos bem Deus, mas fica saciado no seu desejo. Santa Teresa, para explicar este mistério, recorda uma imagem ensinada pela irmã: “Entre um grande copo e um pequeno dedal, ambos cheios de água até às bordas, qual é o mais cheio?” Compreendemos então porque é que é importante amar e amar cada vez mais, durante a nossa peregrinação na terra. Compreendemos também porque é que o sofrimento (a cruz da nossa vida) é útil, capaz, totalmente só por ela, de aprofundar o coração a fim de o tornar imenso no desejo de Deus. Aquele que tem fome, deseja mais a comida.

Na visão beatífica, o Filho de Deus deixa-se ver sem qualquer intermediário criado. Enquanto na terra não podemos compreender alguma coisa de Deus senão através da humanidade de Jesus, no Céu compreenderemos a sua humanidade através da sua divindade. Com efeito, a Trindade tornar-se-á límpida em si mesma e iluminará tudo o resto. A nossa alma, feita à imagem de Deus, pôr-se-á a vibrar como ele. Seremos semelhantes ao Pai e, contemplando como ele, veremos o Filho eterno. Seremos como o Pai e o Filho, ao mesmo tempo que permanecemos nós próprios[4] e, ao amá-los, amaremos o Espírito Santo.

Tudo é simples em Deus. Mas é certo que, graças a esta visão face a face, não mais teremos nem a fé nem a esperança: não teremos mais necessidade de acreditar numa quantidade de coisas sobre Deus, uma vez que o veremos com os nossos próprios olhos[5]. Não teremos mais necessidade de esperar o que quer que seja relativamente a Deus, uma vez que o possuiremos por completo e para sempre. Das três virtudes teologais, não restará senão a caridade, e esta caridade transformar-se-á em alegria. É o que ensina S. Paulo[6]: “A caridade nunca desaparecerá. As profecias? Desaparecerão. As línguas? Calar-se-ão. A ciência? Desaparecerá. Porque imperfeita é a nossa ciência, imperfeita também a nossa profecia. Mas quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Portanto, agora permanecem a fé, a esperança e a caridade. Três coisas permanecem, mas a maior delas, é a caridade.”

Deus ocupa tão pouco espaço numa alma, quando a enche, que é possível, sem nunca o perder de vista, ter uma série de actividades ao seu serviço. Deixa-nos todo o lugar e todo o tempo, sem o deixarmos, de rezar pelos nossos irmãos da terra ou do purgatório, da falar (quer dizer, depois da morte, ver do interior o pensamento ou o coração de outra alma ou do anjo, ao mesmo tempo que lhe desvendamos o nosso próprio pensamento), de cuidarmos daqueles que estão na terra. Quando Santa Teresa do Menino Jesus dizia que passaria o Céu a fazer o bem na terra, não eram palavras vãs ou palavras mais ou menos místicas. Trata-se de um apostolado tão real quanto eficaz, que será também o nosso no Céu. Estando unida a Deus como uma esposa, tem todos os direitos. Tem a possibilidade, quando quer, de mobilizar os poderes angélicos, para fazer o milagre que quer, para aparecer a quem quer. Se parece aparecer muito poucas vezes, é que age exactamente da mesma maneira que o seu esposo. Parece-lhe bom deixar, a maioria do tempo, os homens na fé, para que a pobreza do seu exílio multiplique os desejos do coração. Não pensa senão nas mesmas coisas que Deus: conduzir os seus amigos à caridade mais elevada possível. Um dos apostolados mais intensos da Teresinha, consiste em acolher todos os homens que um dia pensaram nela, na hora em que morrerem. Pelo braço de Jesus, com o seu corpo psíquico transfigurado pela visão beatífica, leva-os para o paraíso. Sozinha, exceptuando Maria e José, trabalha mais que todos os santos, porque é chamada por todos. Não é ela chamada pelas gentes simples “a Nossa Senhorasinha”, a mais bela imagem de Maria?

Nós próprios, no Céu, teremos o mesmo poder real sobre Deus. Obedecerá aos nossos mínimos desejos porque nos verá fazer o mesmo com ele. O nosso apostolado será sem comum medida com o da terra.

Mas, que acontecerá quando formos testemunhas da condenação de um dos nossos irmãos? Existe algum motivo de dor no paraíso? Se for o caso, não devemos pôr em causa tudo quanto foi afirmado mais acima, sobre a ausência de desejos, a beatitude perfeita? Parece mesmo que existem provas dessa dor do paraíso, uma vez que Maria, nas suas aparições, não pára de se mostrar em lágrimas pelos pecadores e pelos condenados. Para responder a esta pergunta, é conveniente recordar o que afirmámos constantemente sobre o inferno. Ninguém se pode condenar, senão por uma escolha livre e firmemente mantida para a eternidade. Durante a vida na terra, Deus faz tudo quanto é possível para preparar o homem a não fazer essa escolha no momento da morte. Mas se a faz[7], Deus alegra-se. Não se alegra porque alguém se separou dele, mas porque o faz livremente. Deus ama os condenados mesmo na sua prisão, e porque os ama, respeita-lhes a liberdade. Poderia comparar-se a sua atitude com a de um homem que ama uma mulher com tanta força que faz tudo para que ela permaneça fiel. Mas, em desespero de causa, fica em paz se ela o deixa, não porque ela se vai embora, mas porque escolheu o caminho que lhe agrada[8]. O mesmo se passa com todo o Céu na hora em que os homens escolhem o seu destino eterno. Qualquer que seja a escolha, tudo é paz[9].

No paraíso, tudo é amor simples e pacífico, porque tudo é como Deus. Mas, para exprimir aos habitantes da terra esta caridade eterna, Deus e Maria são obrigados a utilizar uma linguagem compreensível. Assim, será que compreenderíamos a que ponto Maria quer a salvação dos pecadores se na suas aparições permanecesse silenciosa e sorridente? Não veríamos nisso indiferença? Então, Maria exprime a sua caridade ardente pelo símbolo das lágrimas e, mesmo, lágrimas de sangue. No entanto, Maria não sofre mais. A sua paz e alegria são tão profundas e estáveis como as de Deus. Toda a linguagem da Bíblia é da mesma ordem. Deus não quer ver os seus filhos egoístas: fala da sua cólera, do seu furor e do seu braço vingador. Mas todos sabem hoje que Deus não se encoleriza como os homens e não tem braço. Pelo contrário, age e faz tudo para salvar do pecado. Por vezes a sua acção é forte. A consequência é, para nós, um certo sofrimento, pelo qual nos quer conduzir primeiro à humildade, depois ao amor, e daí a analogia da cólera de um pai. Experimentamos então a que ponto isso é parecido com a cólera.

 

A ausência do corpo carnal

(Coisa certa)

Antes do fim do mundo, o nosso corpo carnal não nos será dado. Apenas Jesus e Maria o possuem[10]. Deveríamos sofrer com esta falta de uma parte de nós mesmos. Não somos apenas alma, mas a alma é feita, por natureza, para dar vida não apenas ao psiquismo, mas também à carne. Esta questão deixou na expectativa muitos teólogos. No entanto, a solução deste problema parece ter sido encontrada desde os primeiros séculos da Igreja. St. Agostinho diz: “Possuir-te, Ó Deus, é ser rico de todos os bens; tudo ter estando longe de ti, é nada possuir.[11]” Assim é no Céu, no sentido mais literal. A visão beatífica alimenta a alma ao ponto de a fazer esquecer o apelo bem real pelo corpo. A sua energia toda é sugada por essas núpcias com o Cordeiro, ao ponto de não ter outra coisa senão ele.

Mostrámos, no entanto, que o psiquismo subsiste, quer dizer, todas as faculdade da sensibilidade que são comuns aos homens e aos animais. Sentidos novos aparecem e desmultiplicam-se, depois do desaparecimento das consequências do pecado original. Um morto não é um puro espírito como pensava S. Tomás de Aquino. Além de uma inteligência e de uma vontade, dispõe dos sentidos, da imaginação, das recordações sensíveis do passado. Assim, muito antes da ressurreição da carne, o morto é acolhido num mundo adaptado ao seu psiquismo. É um mundo de imagens magníficas[12].

Quanto ao esposo, prepara secretamente outras surpresas que não aparecerão senão à hora da ressurreição da carne. Apenas ele conhece a data[13].


NOTAS

[1] Jacob, filho de Isaac, sonhou com o Céu (Génesis 28,12): “Teve um sonho. Eis que uma escada estava posta na terra e o cimo atingia o céu, e que anjos de Deus subiam e desciam!” Esta escada possui seis traves (ver capítulo 4, os seis gruas do purgatório). A sétima é a porta do Céu. É notável constatar que as religiões antigas, como a do Egipto, tinham já recebido misteriosamente esta revelação. O livro dos mortos descreve sete pórticos. O moribundo tinha de conhecer uma fórmula mágica para os transpor um a um… É simples coincidência? Não me parece. O Evangelho parece dizer com razão: “Do Egipto chamei o meu Filho” (Mateus 2,15), de tal modo estes antigos receberam vestígios do Espírito Santo (Vaticano II). Sabiam que haveria depois da morte, um julgamento final, um inferno e um paraíso; não ignoravam Seth, o demónio; receberam uma prefiguração de Cristo em Osíris, morto e ressuscitado, e de Maria em Ísis, a sua dedicada irmã; esperavam a ressurreição da carne.

[2] 2 Samuel 6, 14.

[3] Na terra, não mais ter desejos significa aborrecer-se. No Céu é o inverso.

[4] Alguns imaginaram que, ao vermos Deus, nos tornamos no próprio ser de Deus. A afirmação é verdadeira na condição de a tomar como uma metáfora. É o mesmo que permite a Deus dizer do homem e da mulher que se amam: “serão uma só carne”. Na realidade, a Visão beatífica é como um casamento. Permanecem duas pessoas distintas.

[5] Falamos aqui dos olhos da inteligência, dito doutra forma, os olhos do coração, uma vez que a Trindade é espírito.

[6] 1 Coríntios 13, 8.

[7] Apesar de: 1. a vida na terra e a experiência da nossa miséria até à morte; 2. para alguns, a experiência de um tempo de errantes depois da morte; 3. a aparição comovedora de Cristo; 4. acompanhado das pessoas mais próximas do morto, pai, mãe, etc. Em resumo, se alguém se condena apesar de tudo, é que a sua escolha é livre e obstinada.

[8] S. Tomás de Aquino trata explicitamente na sua Suma Teológica, desta alegria dos eleitos face à condenação. É uma tese extremamente chocante… excepto se compreendermos a liberdade da escolha dos condenados.

[9] Desta forma, quando falávamos acima, de uma possível grande alegria no Céu diante da possível conversão de Hitler, baseando-nos numa palavra de Jesus, não falávamos com ele senão como uma imagem. Tudo é objecto de alegria no Céu, uma vez que tudo é, em definitivo, a manifestação do amor e da sabedoria de Deus.

[10] Talvez que não só apenas eles, segundo Mateus 27,52.

[11] Confissões, 1.

[12] Segundo certos testemunhos ligados à N.D.E., o homem pode ele próprio criar imagens novas. Pode modificar o universo que o rodeia. O poder criador da imaginação torna-se único, uma vez que, à vontade, existe diante dele, tudo quanto se põe a imaginar.

[13] Será objecto do capítulo seguinte.

 

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